Uma cidade cada vez mais vulnerável à chuva

Publicação: domingo, 1º de março de 2009 – jornal Diário Popular


Em uma hora e meia de chuva, as pistas da avenida Juscelino Kubitschek se transformaram em piscinas represadas pelos paralelepípedos do meio-fio e atrapalharam a passagem de motoristas, ciclistas e pedestres na tarde de quinta-feira. Na sexta-feira, a situação seria ainda pior. A cena se repete ali e em outros 19 pontos de Pelotas e um dos motivos é mais que conhecido: a geografia plana da cidade. Mas a essa condição se somam um conjunto de fatores que vão desde a impermeabilização do solo da cidade até a antiga e defasada estrutura de drenagem, passando pelo lixo jogado pelas ruas e a falta de um planejamento global para a retenção e escoamento das águas da chuva.

Evitar o acúmulo de águas nas vias de Pelotas depende diretamente do solo, conforme o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Mauricio Polidori. É a base em que está construída a cidade que tem, por natureza, o papel de reter e liberar, aos poucos, a água das chuvas típicas da região.

Para que isso ocorra, o contato da superfície com o subsolo deveria ser feito por canteiros ricos em vegetação, áreas livres e não-pavimentadas em meio à área urbana e medidas que iniciam pelas grandes drenagens, que previnem as enchentes, e vão até as medidas que permeiam o dia-a-dia como o recolhimento do lixo que entope o bueiros.

Para o diretor-presidente do Serviço Autônomo de Saneamento de Pelotas (Sanep), Ubiratan Anselmo, os alagamentos apenas diminuirão quando o plano municipal de drenagem for concluído. Atualmente, esse plano está em fase de contratação de pessoal especializado para realizar uma análise das condições da cidade e, a partir daí, traçar o projeto, o que deve ocorrer até julho. “Mas, a não ser que se consiga um recurso especial, essa obra vai ser feita aos poucos, com recurso próprio.”

A idéia, a princípio, é investir no sistema de canais da cidade, afirma Anselmo. Como Pelotas não tem galerias, as bocas-de-lobo têm ligação apenas com o sistema de travessias, que não dá conta do volume de água que cai sobre a área urbana. Ele acredita que, a partir do novo plano de drenagem, galerias para o escoamento das águas da chuva para os canais devem ser construídas no subterrâneo de determinadas vias.

Entretanto, esse sistema sofre críticas. “Tirar a água rapidamente, por canais e canaletes, é um conceito ultrapassado”, explica Polidori. “Nós não temos um rio que leve essas águas. Para onde as águas iriam escoar?” O ideal para a realidade de Pelotas, segundo o professor, é a drenagem feita pelo solo, com a saída lenta e bem distribuída das águas pluviais. Um escoamento rápido, com a geografia plana, favorece o alagamento.

Um dos canais da cidade é o do arroio Pepino, que divide a área que facilmente inunda em frente à oficina de Paulo Roberto Silveira. Ele vê da porta de casa um canal quase seco em meio a uma avenida alagada e sem saídas para o escoamento, tanto do acúmulo na pista antiga quanto no trecho recém asfaltado entre a avenida Domingos de Almeida e a rua Padre Anchieta. “O outro lado [a pista antiga] é uma armadilha. Em dez minutos a água sobe e os carros têm dificuldade para passar.” Para diminuir o transtorno do lado da nova pista, alguém quebrou parte do meio-fio que impede a ligação da rua com o canal do Pepino. “Quando quebraram, alguns vizinhos já estavam com água dentro de casa”, relata.

O problema, que não é exclusivo dessa avenida, muito tem a ver com a falta de estrutura das ruas, sem galerias ou com capacidade de drenagem natural pelo solo. Somam-se à falta de estrutura das ruas, as velhas casas de bombas que drenam a água da cidade, que são da década de 1960, oriundas das obras de macrodrenagem planejadas em função das grandes enchentes da década de 1950, como lembra Polidori.

Mas não é só no plano macro que medidas são necessárias. No nível micro, coisas simples como pátios pavimentados, sem ligação da superfície com o subsolo, lixo nos bueiros e a falta de canteiros e áreas arborizadas, colaboram para os alagamentos constantes, conforme o pesquisador.

Eterno dilema: asfalto ou paralelepípedo

Ubiratan Anselmo não vê no asfaltamento realizado em diversas vias da cidade em 2008 um dos causadores das grandes e pequenas inundações de fevereiro. “Os pontos registrados são os mesmos.” Mas, para Polidori, o asfalto é mais um fator que impede o contato da superfície com o subsolo. “O asfalto agrada pelo conforto, mas é o pior tipo de pavimento para a nossa realidade.”

Por Pelotas ser uma cidade totalmente plana, qualquer desnível, por menor que seja, é significativo, explica o professor. A cobertura asfáltica posta sobre o antigo pavimento, além de impermeabilizar e impedir a absorção da água pelo solo, diminui a diferença de altura entre a calçada e a rua, que poderia facilitar o escoamento. “Dez centímetros a menos em um meio-fio, que seja, já faz toda a diferença”.

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