A safra do camarão no divã

Publicação: terça-feira, 24 de março de 2009 – jornal Diário Popular

Pesquisadores e autoridades são contra a mudança na lei que permitiria a captura do curstáceo após a avaliação do seu tamanho e não mais pelo calendário, a partir de 1º de fevereiro de cada ano

A mudança no calendário da safra do camarão no estuário da Lagoa dos Patos, acenada pela Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca (Seap) na semana passada, foi bem recebida entre os pescadores artesanais de Pelotas, mas com reservas por especialistas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e da Universidade Federal de Rio Grande (Furg). A categoria defende que a abertura da safra dependa do tamanho alcançado pelo crustáceo e não mais seja fixa entre os meses de fevereiro e maio. Um estudo para analisar a viabilidade da proposta foi prometido na reunião de quarta-feira entre o ministro Altemir Gregolin e o deputado federal Fernando Marroni (PT), que acompanha o caso.

Os pescadores veem a flexibilização das datas da safra como um impasse que precisa ser resolvido, afirma o presidente do Sindicato dos Pescadores da Colônia Z-3, Nilmar Conceição. Atualmente a abertura oficial da safra ocorre no dia 1º de fevereiro, o que, segundo a categoria, prejudica os negócios de quem vive da pesca. É comum o camarão atingir o tamanho ideal, de nove centímetros, durante o período em que a captura está proibida. Enquanto para os pescadores isso significa ver toda uma safra ir embora, exemplifica Conceição, para o Ibama significa a manutenção da espécie pesqueira.

O chefe do escritório regional do instituto em Rio Grande, o oceanógrafo Sandro Klippel, explica que essa restrição garante ao camarão que atinge os nove centímetros nos meses anteriores a chance de sair do estuário para o mar – e consequentemente, a possibilidade de se reproduzir.

Retrocesso

Antes do sistema atual, de safra e defeso, a monitoração e abertura do período de pesca conforme o tamanho do camarão já foi praticada, diz o diretor do Instituto de Oceanografia da Furg, Fernando Dincao. Para ele, retomar o sistema que já se mostrou falho é um retrocesso. A dificuldade em se ter uma liberação segura está na variação do tamanho do camarão encontrado nos diferentes pontos da Lagoa, que está em estágios de desenvolvimento distintos em cada ponto do estuário. “Se fosse abrir por tamanho, em alguns lugares não se iria pescar nunca e em outros se teria camarão para pesca quase sempre”, explica, ao citar o monitoramento do crustáceo na Lagoa dos Patos já feito pela Furg.

Dincao ressalta ainda que com várias datas de abertura de safra deixaria de haver o pagamento do seguro-desemprego para os pescadores, que hoje o recebem durante o defeso, impacto social também apontado pela Seap.

Na avaliação do especialista, a abertura em função do tamanho do camarão provavelmente não se concretizará, pelo dano e a dificuldade de administração que isso traria. “Já não conseguem administrar bem do jeito que está”.

Para o Ibama, a fiscalização também se tornaria ainda mais complexa. “Nós queremos a preservação dos estoques, mas seria ainda mais difícil controlar a depredação. Imagine o tempo que nós levaríamos medindo camarão?”, comenta o responsável pela fiscalização no Estado, Fernando Falcão.

Um meio termo entre a preservação e a manutenção da atividade econômica é o cenário atual, na avaliação de Klippel. “Já favorecemos mais a pesca que a preservação. Abrir e fechar várias vezes por ano a safra só interessaria aos pescadores. Não teria vantagem para o camarão”. A consequência, segundo ele, seria o agravamento da diminuição do crustáceo, maior do que a já ocorre.

O que diz a Seap

Para a Seap, antes de se falar em flexibilização do calendário é preciso receber os resultados de um estudo que irá bem além da safra do camarão e abarcará toda a atividade pesqueira do estuário. “A proposta é fazer uma atualização do diagnóstico socioeconômico e ambiental da Lagoa dos Patos e, então, inovar nos processos de gestão”, explica o diretor de Ordenamento, Controle e Estatística da secretaria, Mauro Rufino. A ideia do estudo é fazer um mapeamento da pesca na região, inclusive o levantamento de quantos profissionais realmente atuam na área. A partir desses dados será possível discutir o calendário da safra.

Contudo, Mauro adianta que a reivindicação dos pescadores pela flexibilização, apesar de justa, pode ser inviável operacionalmente. O motivo é o mesmo apontado pelo pesquisador da Furg: as variadas taxas de crescimento do camarão nos diversos pontos da Lagoa. Uma das alternativas seria ter uma abertura em cada local, mas essa seria inviável para a fiscalização. “Mesmo assim queremos discutir e fazer uma construção conjunta, quem sabe apareçam outras ideias”, avalia o diretor.

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