Publicação: domingo, 15 de março de 2009 – jornal Diário Popular
As relações entre vizinhos nem sempre se apresentam amigáveis; em determinadas ocasiões as desavenças só são resolvidas na justiça
Barulho fora de hora, som alto, algazarra de crianças, vozes altas em brigas e namoros, batidas de saltos, latidos, miados, mal cheiro de animais de estimação, desrespeito ao espaço de estacionamento determinado para cada um, festas até altas horas no meio da semana. Nem sempre quem vive ao lado respeita as boas regras de convivência, e não se tem escolha: vizinho pode ser alguém passageiro ou um companheiro para toda a vida, e morar ao lado, em frente, em baixo ou em cima da casa de alguém pode se tornar um verdadeiro inferno. Quem passa por isso sabe bem. A receita para não cair nem provocar essa situação parece ser ter bom senso e respeito ao próximo, por mais difícil que isso pareça ser fazê-lo sem ferir a própria individualidade.
As desavenças entre vizinhos podem ficar tão sérias que os envolvidos preferem não se identificar para evitar represálias e agressões. No Fragata, um grupo de vizinhos há alguns anos se incomoda com uma boa ação que, para eles, passou dos limites e desde 2004 tornou a situação insuportável. Uma das vizinhas tem em casa uma expressiva quantidade de cachorros que foram recolhidos da rua – segundo os vizinhos incomodados, são pelo menos 70 animais, que a dona não confirma nem desmente –, mas o mau cheiro, as doenças, os latidos incessantes e os ataques a mordidas incomodam tanto os moradores da rua que a briga já chegou ao Ministério Público estadual. “Acho bonito defender os animais, mas isso está de mais”, reclama uma das vizinhas.
Entre os problemas já enfrentados na rua que tinha tudo para ser pacata, os incomodados relatam e mostram atestados médicos de uma infestação de sarna entre várias crianças e adultos e de mordidas, além de reclamarem do lixo gerado pelas fezes e os alimentos dos animais. Questionados sobre haverem tentado conversar antes de acionarem judicialmente a vizinha, eles são unânimes: “com ela não há diálogo”.
A responsável pelos animais afirma que se sente no direito de cuidar dos cachorros e questiona a idoneidade da vizinhança para fazer as reclamações, mas prefere não comentar nenhuma das acusações. O caso ainda tramita na justiça.
Os incomodados que se mudem?
Nas imobiliárias, chovem reclamações em sua maioria contra inquilinos, e grande parte por barulho. Quem não se emenda, além de receber advertências e multas, pode acabar despejado. A imobiliária Fuhro Souto, que também administra condomínios, explica que muitas vezes diante de tantas reclamações a única alternativa é o proprietário do imóvel pedir a desocupação. Chegam às administradoras de condomínios em Pelotas uma média de três reclamações por semana contra os atos de quem mora sob o mesmo telhado, todos em busca de uma mediação que devolva a paz, especialmente nos horários de descanso.
E quando o vizinho-proprietário é a dor de cabeça do vizinho-inquilino? “Nós temos um caso em que um inquilino reclama do barulho das crianças do vizinho, proprietário do apartamento em que mora, brincando à meia-noite ou às 2 da manhã. Ele está tão incomodado que quer sair do imóvel”, comenta a auxiliar administrativa dos condomínios da imobiliária, Carmen Viegas.
O problema, nesses casos, pode estar na rotatividade entre os inquilinos do prédio, um motivo a mais para que o vizinho seja tolerante com o próprio barulho e não mude essa realidade. Mas ter de abandonar a própria casa é uma medida extrema; o ideal seria chegar a um consenso. “Para viver em condomínio é necessário haver flexibilidade, porque praticamente se mora junto de todo mundo. O teu comportamento afeta o outro.”
Na promotoria de justiça criminal de Pelotas, ligada ao Ministério Público Estadual, chegaram em fevereiro aproximadamente 1.900 termos circunstanciados (TCs) relacionadas a brigas entre vizinhos, segundo estimativas, o que representa 40% do volume total de TCs no mês. A maioria está relacionada à perturbação do sossego alheio e perturbação da tranquilidade; a primeira é feita sem a intenção de incomodar o vizinho, já a segunda é uma ação intencional. E isso vai do som alto no meio da noite a coisas jogadas propositalmente no pátio ao lado.
Os responsáveis por mediar as disputas não estão livres de sofrer com seus próprios vizinhos. Na imobiliária Raphael, toda semana o telhado precisa de reparos por conta de garrafas atiradas do prédio contíguo. Fernando Vasconcelos relata que no início achavam que os projéteis eram uma forma de represália contra o barulho de um cão de guarda que mantinham, mas depois de retirado o cachorro, os lançamentos continuaram. “Já tentamos de tudo, até colocar uma câmera de segurança para identificar quem joga”. Sem sucesso nas negociações, a disputa também acabou na justiça.
Mas há quem prefira o diálogo com o colega de prédio. Uma moradora de um condomínio pequeno, que prefere não se identificar, resolveu conversar com o casal de vizinhos barulhentos antes de procurar a administradora do condomínio. E deu certo. “Eu parei eles no corredor e comentei que as brigas e o namoro estavam muito altos. Eles ficaram um pouco constrangidos, acharam um certo exagero, mas prometeram melhorar.”
Para fazer isso, foi preciso coragem de encarar a pessoa e tentar acabar com o incômodo. A maior parte dos condôminos prefere a intermediação da administradora do condomínio para evitar atritos, afinal, o convívio diário irá continuar, agradando ou não. “A empresa tem de ter a sensibilidade de ouvir as partes, mas a um mesmo tempo ser firme para resolver”, pondera Carmen.
As relações entre vizinhos nem sempre se apresentam amigáveis; em determinadas ocasiões as desavenças só são resolvidas na justiça
Barulho fora de hora, som alto, algazarra de crianças, vozes altas em brigas e namoros, batidas de saltos, latidos, miados, mal cheiro de animais de estimação, desrespeito ao espaço de estacionamento determinado para cada um, festas até altas horas no meio da semana. Nem sempre quem vive ao lado respeita as boas regras de convivência, e não se tem escolha: vizinho pode ser alguém passageiro ou um companheiro para toda a vida, e morar ao lado, em frente, em baixo ou em cima da casa de alguém pode se tornar um verdadeiro inferno. Quem passa por isso sabe bem. A receita para não cair nem provocar essa situação parece ser ter bom senso e respeito ao próximo, por mais difícil que isso pareça ser fazê-lo sem ferir a própria individualidade.
As desavenças entre vizinhos podem ficar tão sérias que os envolvidos preferem não se identificar para evitar represálias e agressões. No Fragata, um grupo de vizinhos há alguns anos se incomoda com uma boa ação que, para eles, passou dos limites e desde 2004 tornou a situação insuportável. Uma das vizinhas tem em casa uma expressiva quantidade de cachorros que foram recolhidos da rua – segundo os vizinhos incomodados, são pelo menos 70 animais, que a dona não confirma nem desmente –, mas o mau cheiro, as doenças, os latidos incessantes e os ataques a mordidas incomodam tanto os moradores da rua que a briga já chegou ao Ministério Público estadual. “Acho bonito defender os animais, mas isso está de mais”, reclama uma das vizinhas.
Entre os problemas já enfrentados na rua que tinha tudo para ser pacata, os incomodados relatam e mostram atestados médicos de uma infestação de sarna entre várias crianças e adultos e de mordidas, além de reclamarem do lixo gerado pelas fezes e os alimentos dos animais. Questionados sobre haverem tentado conversar antes de acionarem judicialmente a vizinha, eles são unânimes: “com ela não há diálogo”.
A responsável pelos animais afirma que se sente no direito de cuidar dos cachorros e questiona a idoneidade da vizinhança para fazer as reclamações, mas prefere não comentar nenhuma das acusações. O caso ainda tramita na justiça.
Os incomodados que se mudem?
Nas imobiliárias, chovem reclamações em sua maioria contra inquilinos, e grande parte por barulho. Quem não se emenda, além de receber advertências e multas, pode acabar despejado. A imobiliária Fuhro Souto, que também administra condomínios, explica que muitas vezes diante de tantas reclamações a única alternativa é o proprietário do imóvel pedir a desocupação. Chegam às administradoras de condomínios em Pelotas uma média de três reclamações por semana contra os atos de quem mora sob o mesmo telhado, todos em busca de uma mediação que devolva a paz, especialmente nos horários de descanso.
E quando o vizinho-proprietário é a dor de cabeça do vizinho-inquilino? “Nós temos um caso em que um inquilino reclama do barulho das crianças do vizinho, proprietário do apartamento em que mora, brincando à meia-noite ou às 2 da manhã. Ele está tão incomodado que quer sair do imóvel”, comenta a auxiliar administrativa dos condomínios da imobiliária, Carmen Viegas.
O problema, nesses casos, pode estar na rotatividade entre os inquilinos do prédio, um motivo a mais para que o vizinho seja tolerante com o próprio barulho e não mude essa realidade. Mas ter de abandonar a própria casa é uma medida extrema; o ideal seria chegar a um consenso. “Para viver em condomínio é necessário haver flexibilidade, porque praticamente se mora junto de todo mundo. O teu comportamento afeta o outro.”
Na promotoria de justiça criminal de Pelotas, ligada ao Ministério Público Estadual, chegaram em fevereiro aproximadamente 1.900 termos circunstanciados (TCs) relacionadas a brigas entre vizinhos, segundo estimativas, o que representa 40% do volume total de TCs no mês. A maioria está relacionada à perturbação do sossego alheio e perturbação da tranquilidade; a primeira é feita sem a intenção de incomodar o vizinho, já a segunda é uma ação intencional. E isso vai do som alto no meio da noite a coisas jogadas propositalmente no pátio ao lado.
Os responsáveis por mediar as disputas não estão livres de sofrer com seus próprios vizinhos. Na imobiliária Raphael, toda semana o telhado precisa de reparos por conta de garrafas atiradas do prédio contíguo. Fernando Vasconcelos relata que no início achavam que os projéteis eram uma forma de represália contra o barulho de um cão de guarda que mantinham, mas depois de retirado o cachorro, os lançamentos continuaram. “Já tentamos de tudo, até colocar uma câmera de segurança para identificar quem joga”. Sem sucesso nas negociações, a disputa também acabou na justiça.
Mas há quem prefira o diálogo com o colega de prédio. Uma moradora de um condomínio pequeno, que prefere não se identificar, resolveu conversar com o casal de vizinhos barulhentos antes de procurar a administradora do condomínio. E deu certo. “Eu parei eles no corredor e comentei que as brigas e o namoro estavam muito altos. Eles ficaram um pouco constrangidos, acharam um certo exagero, mas prometeram melhorar.”
Para fazer isso, foi preciso coragem de encarar a pessoa e tentar acabar com o incômodo. A maior parte dos condôminos prefere a intermediação da administradora do condomínio para evitar atritos, afinal, o convívio diário irá continuar, agradando ou não. “A empresa tem de ter a sensibilidade de ouvir as partes, mas a um mesmo tempo ser firme para resolver”, pondera Carmen.
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